Ricos e orgulhosos
se atiram ás gargantas uns dos outros, para ver quem fica com mais, quem rouba
mais…. Pobre e imbecis, o mesmo fazem….
Tudo é igual, ninguém se interessa em partilhar…. Em repartir com quem esteja
pior… é mais e mais para mim e só para mim, apenas se repartem as migalhas, mas
é, se com isso ainda se conseguir agarrar alguma vantagenzita… um pobre sempre na esperança de receber mais
alguma migalha… aceita rebaixar-se… e
muitos se tornam falsos humildes… apenas aguardam a oportunidade para poder
subir, seja à custa de quem for… eu fui
um destes tristes cobardes… critico
muito…. é o meu reconhecimento daquilo que fui e daquilo em que me tornei…
Durante um
tempo, fui sinceramente humilde, verdadeiro e bom trabalhador, fiel! Mas a
família foi crescendo, a fome foi rodando, e a tentação de jogar a mão a
qualquer coisa que matasse a fome, era
muito forte… com o passar do tempo,
levava sempre um extra a mais daquilo que realmente precisava… “ontem” apenas
queria um sofá… “hoje”, esse sofá já não
bom… já queria “aquele sofazão” da loja da cidade… a velha mesa, a velha cama ainda em bom
estado, mas com alguns sinais do tempo…
também joguei fora… queria o conjunto de moveis que mostra na
televisão….
E assim, por
cada coisa desnecessária, eu vendia um bocado da minha alma… até que cheguei aqui… assim… de mãos vazias, envergonhado… sentindo-me culpado por tudo….
Se tinha
saúde, porque não agradeci apenas?
Se tinha
família, para que precisei de mais mulheres, fumo e álcool?
Se tinha o
conforto de um tecto sobre a minha cabeça, porque quis parecer o rei do
Oriente, se na realidade apenas tinha o que comer?
Toda a
verdade se descobre, vem ao de cima, porque fingi ser quem não era?
Acabei
sozinho no meu leito… na miséria e sozinho…
Embora tenha
sido triste, nos últimos dias vi e revi a minha vida… eu precisava de estar
sozinho, admito que foi duro e triste, mas foi a oportunidade de rever toda a
minha vida e entregar-me a Deus…. Expirei no momento em que encarecidamente
pedi perdão a Deus… vi uma Luz forte,
contudo sem ferir os meus olhos!!
Reconheci o amor que dela emanava… a calma… a Paz… não me levou para o
Céu! Nem eu me sentiria bem lá, não o
merecia. Trouxe-me para aqui á cerca de uma década e aqui tenho trabalhado.
Tento redimir-me para merecer entrar “no Céu”.
Não sei de minha família à muito tempo… não os mereço… eu sei…. Não fui
bom chefe de família… infelizmente só o
reconheci agora… espero um dia poder
ver revê-los… Perdi-me a mim e se calhar
fi-los a eles perderem-se também….
Dizem-me que
a seu tempo a tudo terei acesso, por “agora” deveria apenas concentrar-me em
mim, nas minhas motivações e aspirações.
Só depois de me saber perdoar a mim mesmo, é que poderei encarar todos
os que pertencem á minha, às minhas vidas…
Pelo trabalho no centro, vejo muitos mais pior que eu, no entanto
durante muito tempo, acho que chorei mais do que trabalhei, não tive muita
utilidade, mas não conseguia apagar esta vergonha, este vazio, esta tristeza
por ter sido um inútil quase toda a vida… e que exemplo dei a meus filhos….
Como terão sido suas vidas?... como pude eu ter sido tão imbecil? Tão inútil,
tão convencido…
Enfim, nova
vida recomeça hoje, tenho fé…. Ainda preciso “das minhas muletas”, dos bons
companheiros que aqui encontrei e que tantas vezes me secaram as lágrimas… Com
as suas histórias e as suas amizades, lentamente me fui recompondo… Foram como eu…. Sigo com eles não por merecimento, mas porque
sem as suas mãos temo cair de novo na lama….
Agradeço a
Deus as mãos amigas que me têm amparado, peço perdão pela minha pequenez…
esqueci ser quem era e pela ganância me perdi… queria ser quem não era, e ter o
que o mais rico tinha, por eles rezo também, chegarão aqui ainda mais “endividados”
que eu… usam tolos como eu para conseguirem
os seus objectivos quantas vezes, apenas caprichos…, passando por cima de tudo
e de todos…
Chegou a
hora, sigo para outras paragens, entendi um outro Centro, um local para
trabalho e estudo. Irei reencarnar mais uma vez… talvez em breve… Que eu consiga ser gente desta vez! Não
suporto mais ser o escroque que fui…
Agradeço o
registro das minhas palavras, dos meus desabafos… nunca pensei que querer riqueza deste jeito,
me desse tanta tristeza…
Até um dia,
a trabalhar!
Orbisson
42 anos,
Brasil