Olha isso é que era giro! Um gajo pá,
ia para padre ou frade, ou elas para freiras, e bum! Viravam santos! Era bom era!
Ouve-se cá com cada coisa! Olha
só o que se tem visto e ouvido! São como os outros! Nem piores bem melhores, como os
outros!! Todos os que se dizem Homens de
Deus, ou Mulheres, não passam muitas vezes de actores para si próprios… Não é o viver num convento que nos faz
grandes, a ler, a repetir orações que só saem da boca… é preciso dar-se verdadeiramente! Sem olhar a
quem! Mais do que a clausura, é no encontro uns com os outros, com humildade,
que temos a oportunidade de ensinar e de aprender… de sentir a dor do mendigo e
de aprender a ter compaixão… quantas vezes um sorriso, um aperto de mão é o que
mais precisam para se sentirem gente, muito mais do que pão para a barriga – e
isso está ao alcance de cada um de nós…
Falo infelizmente com conhecimento de
causa, fui um desses malandros que quis fugir á vida… tornei-me religioso para
fugir ás ordens dos meus pais… era nobre ser religioso! E assim desde muito novo me fechei num
mosteiro, mas sempre a pensar no mundo lá fora… meus lábios cantavam os salmos,
mas o meu pensamento estava bem longe dos muros que me rodeavam… morri jovem, definhei doente com a vergonha
(e medo) de não ter tido coragem para enfrentar meus pais… comodismo, preguiça… hoje lamento não ter
sido mais honesto comigo mesmo… de desta
insatisfação apenas resultou amargura e profunda tristeza, verdadeira
incapacidade de estender a mão fosse a quem fosse… reconhecendo isto e o
sentir-me preso… foi retirando-me toda alegria de viver… morri com 27 anos…
sozinho, num cubículo, onde por humildade dizemos quarto… Levei muitos anos até chegar aqui… deambulei
por aí… quis conhecer mundo… e com lágrimas digo, encontrei muitos como
eu!! Dentro e fora dos mosteiros… Somos todos iguais: actores! Sobretudo para
nós próprios! No fundo sabemos o que
está certo e o que está errado, mas acabamos por escolher o que dá menos
trabalho, o que na nossa ideia, é o mais conveniente… Louca ilusão! Um dia nos será pedido conta de todo o Bem
que poderíamos ter feito e não fizemos!
Se calhar ficamos a dever mais por isso, do que tentar fazer a coisa
certa e falhar…
Hoje sinto sobretudo revolta contra
mim mesmo, fui fraco, fui inconsciente… fugir nunca é solução para nada… mais
tarde chora-se amargamente o acto de fugir às nossas responsabilidades…
Nem padre cheguei a ser! Não cheguei
a fazer nada da vida nem tão pouco naquilo para onde fui – de algum modo,
poderia ter fugido dos frades como muitos outros o fizeram, e se agarraram á
vida! Fui comodista… e infeliz com isso
até ao dia de hoje…
Existem tantos homens e mulheres como
eu! Tantos jovens que se acomodam á sombra dos adultos, nunca chegam
verdadeiramente a ser gente! Tornam-se falhados como eu… Tantos jovens sem rumo… tantos adultos
frustrados…encontrei-os em todo o lado… morrem ainda em vida como eu… Esquecem
que viver é ter força, coragem, Fé e vontade de fazer o que está certo!
Deixo estas palavras, este desabafo…
já “acordei”… tarde! Mas estou mais consciente e mais desiludido comigo mesmo…
tive muito tempo para rezar mas não me serviu de nada… foi ler sem sentido,
apenas a boca se mexia… levei tempo a entender o que lia.. e ainda mais a aplicar os ensinamentos e
conselhos que lia…
É duro chegar aqui com as mãos vazias…
apenas a consciência de que tenho de fazer o melhor daqui para a frente… desperdicei muitas oportunidades de ser
útil… esperam-me dias difíceis, já
entendi… desistir de viver em vida, é
também uma forma de suicídio… foi o que eu fiz…
pagarei caro a minha insensatez…
Provavelmente um dia quererei viver e morro andes de viver a sério… seria justo, já que agora desperdicei a
oportunidade que me foi dada..
ÓH, Deus! Sou reconhecido por mais
esta oportunidade! Lamento nada ter feito…
Espero um dia tornar-me obreiro do
Bem e merecer a oportunidade de poder vir aqui ajudar, ajudar tolos como eu!
Até um dia, se Deus mo permitir!
José, 27 anos
Seminarista