É muito lindo dizer “ Paz e amor”, é muito lindo, mas quando
um gajo passa fome…. Vem lá falar de paz, de amor e dessas tretas todas…
barriga vazia não tem fé de certeza!
Garanto-te eu! Tive de roubar
para comer!!! Ora que vontade é que
isso dá de falar em fé? Que mal fiz eu a Deus para ter de roubar para comer?
Restos dos caixotes, fruta quase podre, regatear com os cães vadios a carne à
volta de um osso… isso é viver? Como podes falar de fé?!! Como?! Quem tem fome e barriga vazia tem lá paciência
para essas tretas, ó mulher, atina! Por
acaso quando passas-te fome, lembraste-te dos outros? Quando te sentis-te
sozinha, procuras-te consolar alguém? Bem tu não és exemplo para nada! Já te vi muitas vezes a dar comer á velhota,
olha que ninguém o faz… nem sei se és parva…
estou a ser injusto, sei que não és, bem te oiço… ando contigo há tanto
tempo, quis te apertar o pescoço tantas vezes e no entanto hoje não tenho
coragem… resmungo que me farto, amaldiçoou o dia que nasci, vezes e vezes sem
conta… sinto-me injustiçado… mas tenho de dar a mão á palmatória… tu és
persistente mulher! Nunca desarmas!
Mesmo com tanta critica, continua a dividir o teu pão e a tua água… quando ainda em jovem te reencontrei, apertei
o teu pescoço muitas vezes… hoje tenho pena… comecei com muita pedalada a
atacar-te e ao longo do tempo, aqui estou, rendido… quero rejeitar o que me dizes e me mostras de
fé, de compaixão… perco a força… deixei de ter razões para te infernizar… desisto….
Se foste uma bruxa arrogante exploradora, se muito sofri nas tuas mãos, hoje
entendo, muito fui eu que provoquei, e muita coisa, cego de inveja, não quis
entender… eu queria ser superior, eu achava que era melhor e que me devias
obediência… morri odiando-te… e hoje, passados tantos anos do nosso reencontro,
venho a ti pedir perdão… com mais ou
menos fé não te vi prejudicar ninguém… perdi a força… já só quero descansar, e
tentar fazer como tu… esquecer as mágoas e seguir em frente dando aquilo que
gostaria de ter recebido… muitas vezes, só queria que alguém me olhasse… um
olhar apenas… fechei-me no meu ódio a ti
a outros que culpei como a causa da minha miséria… e hoje olhando para trás, se eu tivesse sido capaz de partir o meu pão
ao meio, nem que fosse com o cão vadio que me olhava quase a chorar como um
homem… teria sido mais feliz, teria tido um companheiro pelo menos, e não vivia
na mais completa solidão… alimentando o meu odio por todos e em especial por
ti… pode-se dizer, cavei a minha própria sepultura…
Se se pode dizer, que o odio não leva a nada – eu
comprovo! Comecei a odiar uns, e achei
que tu terias sido a grande causa da minha desgraça… e hoje, vendo o passado…
apenas quero chorar de vergonha… não és o que pensei – não és perfeita, longe
disso! – mas se muitos fossem como tu, o mundo seria melhor… haveria menos
trastes como eu… Mas porque olhamos
sempre para os outros como a fonte dos nossos problemas? Se fossemos
verdadeiros, entenderíamos as coisas como deve de ser… perdoa… fiz-te perder muitas noites… estou amparado por dois ajudantes, falo
contigo ao mesmo tempo que vejo a minha vida a correr na tela… não é bonito…
vejo muito do que fiz e que espero não repetir em mais nenhuma vida… Entendi,
sinto que terei de viver mais uma vida de mendigo, espero ter a coragem e a
humildade para entender de vez, que a violência, a mentira não resolvem nada…
afastam os poucos amigos que possa haver… foi o que eu fiz..
Perdoam-me, julguei-te a razão da minha desgraça… mas fui eu que a fiz… a mim mesmo… vou
preparar-me para ver outras vidas, somos muitos aqui, com resultados idênticos…
uma tristeza… todos tontos… formaremos
um grupo, seguiremos para o mesmo destino, ainda não temos permissão para irmos
descansar. Temos de merecer esse
direito, também temos cabecinha para pensar e não nos deixarmos levar pelo que
parece mais fácil e mais conveniente, mais fácil! Ganhar o ouro sem trabalhar para o
merecer!!! Que loucura…. Encontrei-te
ainda jovem menina e hoje deixo-te mulher feita, quase no “final da estrada”…
perdoa todas as dificuldades e mau estar, as noites de insónia, os maus
sonhos…apertei-te o pescoço vezes sem conta…. Cego de raiva… bebi a tua
energia, alimentei-me com a tua comida… como se isso fosse possível… queria
roubar-te tudo… e nunca desistis-te… peço perdão… porque já agora me mostram o
que fui? Mas que digo eu?... por acaso
teria ouvido ou acreditado?... porque
foi preciso ver-te a salvar a gaivota, para parar e reflectir… uma alma que se
digna a parar para ajudar sem ter disso beneficio… não pode ser aquilo que
fazia de ti na minha cabeça… e já te vi fazer mais coisas dessas e nunca as
tinha entendido até ao dia de hoje…Perdoa, perdoa… até um dia, perdoa..
Nota de um Irmão que participa nos trabalhos:
Este irmão caiu em si mesmo, viu as consequências dos seus
actos. Está ser a acompanhado pelos Irmãos Assistentes destes trabalhos, e um dia
encontrará paz. Era um obssessor desta irmã, também ainda em evolução. O seu
testemunho foi autorizado para que se entenda que não vivemos sozinhos. Depois
da separação do corpo – da morte – continuamos a alimentar os nossos laços de
odio ou de amor.