Se dores
tenho, já me habituei a elas… mas já não sei se são do “corpo” ou da alma… já
não sei do que são… se calhar são mais da alma… sei que já há muito deixei a
Terra, já entendi… há muito… mas nem consegui aceitar isso… se continuava a
falar, respirar e andar, como poderia estar morto? Só não entendia o porquê de não me
responderem! Às vezes pareciam que me
“viam”… olhavam para mim mas tenho a certeza de que não me viam… gritava-lhes,
mas tinha a certeza de que não me ouviam… apenas lhes produzia um leve
pensamento sobre mim e só ás vezes…. A maioria do tempo sentia-me ignorado,
completamente ignorado… vazio… de corpo e de alma… sentia-me completamente
invisível… houve momentos em que nem a mim mesmo me “via”… não queria sequer
aceitar que vivia… mas como se pode viver assim? Completamente ignorado!! Viv´alma chamava por mim… tinha pura e
simplesmente desparecido, morrido… evaporado dos olhos das pessoas com quem
convivia… durante um tempo não via
ninguém, sentia-me dormente… sem reacção… anestesiado… depois comecei a ver
outros como eu!!! E aí entendi: morri!
Outros tão confusos como eu! Uns
eram revoltados, sedentos de vingança; outros apenas desesperados e perdidos…
como eu… completamente surpreendidos pela continuidade da vida… ninguém morre!!! NNinguém morre!! Como poderia saber? E mais ainda! As dores, as preocupações
continuam… de que vale querer morrer?!!!
Não se morre!! Como podia eu imaginar??? Como??? Como se pode esquecer isto! Como não nos lembramos??!!! Tantas perguntas, tantas respostas que
preciso encontrar… e daí… só estou a divagar… de que me surpreendo eu? Que vida tive eu? Reparti o meu pão? Não! Reparti o tecto da
minha tenda? Não! Só tem benesses quem
as plantam, quem as merece… no fundo sei isto… mas não posso crer o que fiz da
minha vida… da minha triste vida… e agora é este o meu “novo fim”… que
tristeza… nada tenho no coração… nem alegria nem mágoa… nada… talvez comece agora a ter alguma esperança de
que o meu caso tenha solução, que alguém tem verdadeiramente compaixão por mim
e me dá a mão…
Pedi para deixar as
minhas tristes palavras… se alguém se revê nelas, que reflita no rumo que está
a dar á sua vida… chegar aqui neste lastimável estado de semi-desmomoriado, sem
recordar nada de bom que tenha feito… ou muito pouco, se considerar tudo o que
podia ter feito e não fiz… é vergonhoso…
é doloroso ter a consciência de que desperdiçamos uma vida… e a minha foi
relativamente longa 73 anos!
Sigo com
outros, tolos como eu… para algo
parecido a uma escola-hospital…
Até um dia e
que Deus tenha piedade de nós! Obrigado
por estas mãos amigas que nos amparam e secam as lágrimas… obrigado pelo abraço
carinhoso que me deram serei para sempre grato e sempre recordarei esse
momento, como o renascimento do meu Ser.
Até um dia,
no Trabalho – no trabalho de reconstrução das almas tolas como eu…
João
Trindade
(Paris)